Tudo o que começa tem um fim e o Cantinho do Pinheiro não foge à regra.
Não porque os intervenientes o quisessem, mas porque … tem que ser!
Por isso aqui fica o último (o 34º desde abril de 2013) e, para que não esqueça, num formato diferente – uma “conversa” com um consagradíssimo professor da escola agronómica de Lisboa (o ISA) que, além do mais e há já uns anitos, começou por ser monitor duma das cadeiras da minha licenciatura, me honrou com a sua orientação de doutoramento, me convidou para integrar a sua equipa diretiva da SPCF e me dá o prazer de ser meu amigo. É o Professor Catedrático João Santos Pereira, a quem agradeço que se tenha disponibilizado para aqui cavaquear um pouco sobre as alterações climáticas e algumas das suas consequências no clima e na produção e utilização da biomassa florestal.
Esta é uma questão da ordem do dia e, que não fosse, é de importância capital para a Terra e a nossa vida nela.
Sugeri ao João S.P. que escrevesse um pequeno texto sobre esta temática. É o que se segue, e que ele construiu não usando o A.O. (90):
Hoje há cada vez menos cépticos sobre as alterações globais e a sua origem no aquecimento da atmosfera. Claro que não sabemos exactamente o clima no futuro, mas sabemos que o clima mudou no passado. Na história da Terra há evidência de que a temperatura e o teor em gases com efeito de estufa (GEE), especialmente em dióxido de carbono (CO2) do ar, estão correlacionados. A concentração destes gases na nossa atmosfera não parou de aumentar desde meados do século XIX devido às emissões resultantes da queima de combustíveis fósseis. De 280 partes por milhão (ppm), antes da revolução industrial, atingimos os 400 ppm recentemente. Até aos meados do século XX, a hipótese de um aquecimento global parecia remota e até agradável. Após um período frio na Europa, mais algum calor sabia bem. Mas a situação actual é claramente diferente. O aquecimento desequilibrou o complexo sistema de circulação das massas de ar que governam o clima.
As consequências da alteração climática são variáveis consoante a localização geográfica e o tipo de ecossistema. Em Portugal são de esperar mais calor e menos chuva na primavera, bem como uma subida no nível do mar (que pode ser desastrosa para o litoral). Pelo menos numa fase transitória, as vagas de calor (cada vez mais frequentes) e as secas aumentam o stress sobre os ecossistemas. As condições do ambiente são cada vez mais favoráveis aos incêndios florestais e o risco de organismos nocivos se instalarem aumenta. As alterações não são más nem boas. Modificam a nossa maneira de viver. E temos que nos adaptar a elas. Todavia são processos planetários que implicam um esforço conjunto. Há uns meses era impensável que os Estados Unidos da América fossem eleger, por capricho da composição de um colégio eleitoral anacrónico, um presidente como Donald Tramp que confessa a sua militância contra as acções de mitigação das emissões e adaptação. É provável que algumas decisões sejam adiadas ou bloqueadas, trazendo à ribalta temas já consensualizados, por exemplo, a continuação da extracção e uso de alguns tipos de combustíveis fósseis.
Para não aumentar a concentração de GEE é preciso desenvolver alternativas baseadas em fontes renováveis que não aumentem o CO2 atmosférico. A biomassa vegetal representa uma dessas fontes. Foi até ao início da primeira revolução industrial no século XIX a principal fonte de energia. É, em teoria renovável, mas não necessariamente sustentável. No passado, nos períodos com o crescimento demográfico, houve sempre a tendência para sobre-utilização desta fonte de energia. Florestas e matagais foram explorados até ao esgotamento.
A biomassa parece a forma ideal de utilizar a energia solar, isto é, a queima é apenas a reacção química inversa da fotossíntese. Mas esta – a fotossíntese – tem eficiência muito baixa (3 a 6% da energia da radiação solar total) e o custo de “manutenção” dos ecossistemas gasta uma porção importante da produção primária. Hoje, a biomassa contribui com uma percentagem muito baixa para o “mix” energético de Portugal. O uso da biomassa tem problemas de sustentabilidade.
O uso da biomassa florestal sendo uma fonte renovável de energia, não é (necessariamente) sustentável. A produção de electricidade e calor tem um custo ambiental, quer se trate de queima de resíduos da floresta (necessidade de coordenação com defesa contra incêndios), quer se trate do cultivo de árvores de crescimento rápido. A colheita desta biomassa da floresta tem a vantagem de contribuir para a diminuição do risco de incêndio através de gestão de combustíveis. Porém, a biomassa está dispersa. À medida que a biomassa mais acessível for rareando os custos de transporte aumentam e poderá haver rupturas no abastecimento das centrais. Por outro lado o material vegetal dos resíduos é rico em nutrientes minerais (ao contrário da madeira) e por isso a sua colheita intensiva tende a esgotar o solo e diminuir a produtividade. Esta utilização de biomassa pode levar à forte redução do sequestro de carbono. O mesmo acontece com as culturas dedicadas – culturas energéticas – em que a tendência é a extração completa da planta, portanto material mais rico em nutrientes. Em plantações de rotação ultra curta, estas culturas não são uma solução milagrosa para a suficiência energética do País. A energia da biomassa florestal só é renovável se tiver uma gestão sustentável, isto é desde que floresta abatida regenere, ou seja substituída por floresta equivalente e em condições semelhantes à que foi cortada.
Obrigado amigo. Vamo-nos vendo por aí. Um grande abraço de amizade.
À EMBAR e Filipa Pico, que me desafiou para esta tarefa mensal, muito obrigado. Também nos encontraremos aí pela “aldeia”.
E, … experimentem desafiar-me p’ra outra!
Mário Pinheiro